A Boneca Azul

Em uma aula de teatro, o professor pediu para levarmos um brinquedo que gostássemos muito. Pensei logo em minha boneca azul, presente de minha madrinha em um dos aniversários mais felizes de minha vida; recordo-me do sorriso de meu querido avozinho (que Deus o tenha). São tantos os momentos bons que passei com aquela boneca de pano sempre sorridente... Ela tinha cabelo, olhos, sapatos, vestido azuis, a pele mais branca que papel, o corpinho gordinho e macio, mais confortável que qualquer travesseiro. Acolhia-me nela, abraçava-a e deixava que limpasse minhas lágrimas.
Quando eu e Heloísa (minha melhor amiga na época) nos separamos, por conta das novas salas e horários da primeira série, a boneca azul era minha única amiga. As lágrimas que escorriam pela minha face infantil eram pela solidão. Na terceira série, foi quando eu e Domenica nos tornamos amigas, desde então a solidão diminuiu, mas não abandonei o aconchego da boneca nos dias escuros.
Diferente das outras crianças, não dei nome a ela. Para mim, era apenas uma amiga, era assim que eu a chamava.  Por anos e anos foi meu consolo nas intriguinhas infantis, nunca questionou ou reclamou de nada, apenas me consolava com aqueles olhos sem vida e cheios de carinho. Acompanhou-me quando, no começo desse ano, dormi pela primeira vez na casa da Domi, um marco em nossa amizade. Acompanhou-me também quando eu e Heloísa nos revemos e conheci uma nova amiga: Isabela, que depois viria a ser minha companheira nos intervalos da escola, no banco embaixo da grande árvore.
E, na terça seguinte, no teatro, lá estava ela, comigo novamente. Cheguei com a boneca na mão, arrastando pelo chão. Na rua, achavam que eu era louca, naquela idade com uma boneca no colo. Mas a verdade é que nunca deixei de ser aquela mesma criança que recebera a boneca de aniversário e que chorara de solidão. Não me arrependo disso, pois é nessa infantilidade positiva que descobri minha felicidade, que aprendi a sonhar.

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