Carta do Vírus HIV para a Humanidade

Planeta Terra, 7 de março de 2010

Tolos humanos,
Venho, num ato de extrema bondade – o que não é muito a minha cara –, comunicar-lhes que venci mais uma vez. Vocês já devem ter se cansado de mim, mas eu não ligo, perturbar é minha especialidade. Oh, claro, onde estão meus bons modos? Bem, essa é uma boa pergunta, espero um dia saber a resposta. De qualquer forma: uma apresentação. Não posso falar muito sobre mim, seria egoísmo, a protagonista que deve ser apresentada e não o vilão. O que posso dizer é que, se um dia você cruzar comigo, também cruzará com a minha amiga: a morte.
Sobre a protagonista, posso afirmar que era uma jovem muito meiga e bonita. Era. Vamos logo a nossa história...
Lá estava a menina que citei, uma em meio a multidão de pessoas – ou de animais –, com seus longos cachos loiros, que chamavam a atenção. Um pequeno sorriso como de quem se desencanta lhe escapava pelos lábios, carnudos e avermelhados, porém ressecados e sem vida. O brilhante luar lhe iluminava, acentuando os tristes olhos azuis. Uivos saltavam de sua garganta, já rouca pelos gritos. A esse ponto ela já se via só. Sua companhia eram os pássaros e seu canto arrogante.
O olhar vago, porém vibrante, com extremo pavor. A máscara caiu, deixando exposto o verdadeiro eu da moça: o sorriso se foi. Eu surgi em sua mente – um destruidor de sonhos, arruinador de alegrias, amigo da morte. O destemido frio enregelou-se e caiu sobre seus ombros, era peso demais para a esquelética jovem suportar. Uma lágrima escorreu pela pálida face angelical, caiu na areia. A brisa marinha tentou levantar seus cachos, mas eles eram importantes demais para a garota: ela não deixou. Uma onda quebrou diante de seus pés, afundando-os ainda mais na areia. Ela tentou reposicioná-los, não conseguiu. Minha patroa – a morte – estava puxando-a cada vez mais para dentro do sofrimento.
Ajoelhou-se, rendeu-se. Outro pingo no chão, depois outro, e ainda mais um. Começou a chover: cria-se uma tempestade no coração daquela que se considerava feliz. A pequena mulher olha para o que parece não ser mais o céu.  Nuvens que parecem grandes ninhos escuros de tristeza a lembram do abismo que se forma dentro de seu jovem coração. Ela caiu em minha armadilha.
Agora, deseja poder voltar atrás, voltar no tempo, alertar-se. Não pode, e sabe disso. Se ao menos alguém a avisasse, falasse sobre isso... Alguns poucos tentaram, não foi o suficiente. Ela não ouviu – ou fingiu que não.
Acho – não, tenho certeza – que vai demorar um pouco – ou muito – para vocês, tolos seres que se dizem racionais, aprenderem a falar, a ouvir, a amar. Enquanto isso, o mundo todo se rende a mim. 
É bom ter a morte como patroa... Sobre ela, posso dizer que é feliz – ou quase isso – com o seu trabalho.
Continuem calados, surdos e ignorantes. Gosto disso: é benéfico para mim – a patroa também adora. Sintam as lágrimas das nuvens tocando seus rostos, suas palmas e caindo sobre suas costas. Carreguem esse fardo. Cheire o fedor da derrota e viva com essa culpa, com essa doença, para o resto das suas curtas e insignificantes vidinhas.
Não fale; nunca alerte. Faz bem, acredite. Fiquem calados, continuem assim. Eu e minha amiga venceremos do começo ao fim. Lembre-se do que lhe disse e siga cegamente, não se arrependerá. E, sobre nossa protagonista, acho que ela não terá um final feliz.
Com carinho – ou quase isso.
O vírus HIV

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