Desafia-me, meu caro

Eu tenho anseios de sorrir, e tenho também anseios de chorar. Eu sinto de tudo e me sinto sentindo. Como é bom sentir! Como é bom ser! Vivo, sinto que vivo. Antes estava morta por dentro, mas agora é como se uma chama me aquecesse. E eu vivo realmente! E eu tenho medo, mas não tenho medo de ter medo. Esse medo é diferente: não me consome, me desafia. Desafia-me a amar; e cá estou eu amando. Desafia-me a sentir; e cá estou eu sentindo. Desafia-me a ser; e cá estou eu sendo. Desafia-me a viver; e como é bom viver! Desafia-me, meu caro! Desafia-me a amar-te e a sentir-te. Desafia-me a encarar meu medo, e é isso que faço agora. Pois tu me desafiastes, e tu sabes como eu reajo a desafios. Reajo como tu, meu bem. Não só os aceito, como os quero e os procuro.
Pois que o desafio se aflore. Se for preciso que me condene, mas que antes me satisfaça. Que satisfaça meu desejo inflamável, que satisfaça meu coração impiedoso. E que seja de mim que eu não tenha piedade. E que sem piedade eu me jogue e me atire nesse amor explosivo e ruidoso. Pois que eu sofra e que sofrendo sinta-me livre, sinta-me eu. Que eu sinta de verdade e que eu viva. Desafia-me, que me sentirei desafiada.
E cá estou eu, entregando-me e deixando-me levar. Eu permito que retires de mim tudo o que queiras: retiras-me a vida se for preciso. Mas saiba que eu te amo e aceites meu amor. Retiras-me meu discernimento, e faz-me mais cega que o amor grotesco que a ti tenho já o fez. Retiras-me minha paz e faz-me toda raiva. Pois que bom será a raiva consumindo-me se posso eu também consumir-me em paixão. E que bom é sentir! Sentir, sentir! Tudo o que eu quero é sentir. E eu já não tenho medo de nada senão de mim, pois eu sei que fui desafiada. E desafio-te a desafiar-me. Desafio-te a aceitar meu amor.
Isso me corrói e em minha insanidade eu sorrio, e meus olhos brilham ao pensar em ti e em como te amei. Eu mesma mexo em minhas feridas, mas é acalentador ver o escarlate que delas brota. Lembro-me de como te amo, e de como tu a amas, e de como eu também a amo. Que essa seja minha sina! Que eu ame a todos. Mas que meu amor seja como fogo e inflame!
Tu deixas-te ser inflamado por mim?
Digo o que digo e sei que não o farei. Sei que logo passa a insanidade e passa a dor, passa o fogo e viro gelo de novo. Mas que vale o amor sem a raiva? E que vale tudo isso sem um papel pra traduzir a dor? Essa dor boa que eu amo sentir. Essa dor que me domina; como é boa a dor! Como é bom o amor. Eis minha sina: amar mais que a mim. E trancar-me dentro de mim, com medo. Sim, eu tenho medo de mim. Tu o tens?

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