Tic-tac

Com as mãos trêmulas, tocou a maçaneta, sentindo o frio do metal velho e enferrujado percorrer-lhe as entranhas. Tinha medo, mas acabou por abrir a porta, que soltou um ruído perturbador. Não estava mais pálido que o normal por conta disso – nem podia, visto que sempre fora tão branco como uma folha de papel. Sua mãe dizia-o tísico e tubérculo, acusando-o de pecador por tão desgraçada saúde. É verdade que nunca fora abençoado com os ares salutares que exalavam de sua árvore genealógica, mas também nunca fora amaldiçoado com aquela vontade infernal de pecar, com aquela chama mortal que queima as almas, criando máculas horrendas no ser daqueles que o fazem. Não, nunca pecou. Era, na verdade, um ser bastante pacato: quando criança, obedecia às ordens da mãe, fazia todas as tarefas e dormia sempre antes das 9h; quando adulto, obedecia ao chefe, não fumava nem bebia e mantinha suas contas em ordem; antes de casar, procurava não tocar em mulheres ou pensar nelas com desejo; depois do casamento, tocava com sutileza e rapidamente, procurando não machucar nem criar emoções muito bruscas, e, é claro, obedecia sempre à esposa. Agora, era tudo isso somado a medo. E o medo corroia-lhe a alma imaculada, que não fora queimada pelos pecados.
Era macabra a sensação de entrar na casa abandonada. Não era grande, mas sem dúvida havia sido muito bonita. Bem, havia sido. Hoje, não passava de uma casa velha que amedrontava as crianças que passavam por lá e fazia as mulheres atravessarem a rua para andarem na outra calçada. Entretanto, entrou, tomando o cuidado de colocar para dentro primeiro a pena direita. Não era supersticioso, mas não queria abusar da sorte. Quando as duas pernas já estavam lá dentro, arrependeu-se e quis sair. Suava frio ao perceber que já não podia faze-lo – não porque a porta havia fechado sozinha, como nos filmes de terror, mas porque ele já ouvia o som hipnotizante... Aquele som que o fez entrar novamente no lugar que mais lhe fizera mal. Ele, por sua vez, não guardava sentimento nenhum disso tudo: nunca foi o tipo de pessoa habituado a sentir. Também não estava acostumado ao medo, embora esse fizesse parte de todos os seus dias. O medo de não atingir seu objetivo seria maior do que o de entrar na casa? Foi.
Seus passos foram inconscientes, não notou a poeira que cobria tudo quanto era coisa, não viu as teias de aranha que se ajuntavam em todos os cantos, não percebeu que os móveis, que antes exibiam madeira lustrosa, estavam cobertos por panos brancos. O único sentido que lhe estava sendo útil era a audição: seu instinto ordenava-lhe que seguisse aquele ruído ritmado e nostálgico. Não se lembrava mais se estava no primeiro ou no segundo andar; havia subido as escadas? Não importava. Finalmente o havia encontrado.
Estava descoberto, sem nenhuma nódoa de poeira: brilhante como no dia em que deixara a casa. O pêndulo balançava de um lado para o outro. A madeira estava como que nova. O som continuava a endoidecer-lhe a alma... Como suportara tantas noites ouvindo o tic-tac daquele relógio maldito? E mesmo quando saíra de lá, o barulho lhe perseguia. À medida que o tempo passava, ia ficando cada vez mais ensurdecedor. Nos últimos anos, tornara-se insuportável: ouvia-o antes de dormir, principalmente quando a mulher ainda não havia chegado em casa; ouvia-o durante o trabalho, quando o patrão lhe vigiava com olhos de águia; ouvia-o quando visitava o túmulo da mãe, com o mármore frio vigiando-lhe e alertando-lhe de que devia se confessar.
Pegou um pedaço de pau e, concentrando toda a sua força nele, em três ou quatro golpes destruiu o objeto demoníaco.
Mas ele continuava ouvindo... O som ainda estava lá.
O tic-tac ficava cada vez mais estridente.

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