Quando nada mais
importa, descobrimos o valor que damos a cada coisa, o sentido exato daquela
caixa de música ou da lembrança mais remota da infância, que teima em voltar
cada vez mais nítida. Não sei se era exatamente isso que sentia naquele
momento, acho que não sentia nada. É, no começo, não sentia nada. Embora a
garganta apertasse e a cabeça doesse, as lágrimas não vinham.
Andava
maquinalmente e não me importava com os galhos e espinhos que vez ou outra me
arranhavam. Bebi um gole d’água – não sei por que, já que não sentia sede. A
garrafa escorregou de minhas mãos trêmulas. Você
derrubou isso no meu tapete novo? – a voz me gritava. Uma voz rude de
mulher que vinha com as mãos abertas ao meu encontro. Sim, eu derrubei isso em
seu tapete novo. Desculpe-me, desculpe-me, mamãe. Mas, agora, não tinha importância.
Agora eu poderia derrubar o que quisesse. Não peguei a garrafa.
A mochila pesada
me cansava as costas. Larguei-a também, sem me importar com como e onde caiu.
Simplesmente continuei dando meus passos ligeiros e furtivos. Não precisaria
mais de mochila ou água.
Plim, plim,
plim – eu ainda ouvia em minha cabeça. A bailarina girava na caixinha.
Girava, girava. Como se nada importasse. Eu olhava, também como se nada
importasse. E nada importava, não naquela época. Mas mamãe chegou, e me viu com
a caixinha aberta. Tire as mãos de minhas
jóias! – ainda me lembro de sua expressão cheia de raiva. Eu nada queria
com as jóias: eu queria ouvir a caixinha de música e ver a bailarina girar.
Um galho arranhou meu braço e despertou-me dessas
memórias que me vinham assombrar. Já havia passado por ali cinco ou seis vezes
em minhas longas viagens, onde eu pretendia apenas relaxar, entrar em conexão
com a natureza, com o ar puro. Sentia energias restauradoras. Agora meu motivo não
era o mesmo, mas eu nem ao menos pensava no que seria encontrado no fim do
caminho que percorria. Até que cheguei lá.
As lágrimas
finalmente vieram. O mar batia furioso contra as pedras lá embaixo. Eu tinha no
mínimo dez fotos dessa cena: isso era porque eu a amava. Ou costumava fazê-lo.
Foi observando esse movimento das ondas que já me era bem conhecido que percebi
o que fazia comigo mesma e com o meu destino. Vi que nunca fui de verdade, que
sempre tive medo. Vivi a vida do modo que achei que deveria, não do modo que
gostaria. Gostaria de viver como nos filmes, mas vivi como covarde. Escondi-me
da vida, experimentando a sensação de estar morta antes de morrer
verdadeiramente.
À beira do
precipício, não tinha medo da morte, porque a havia sentido a vida toda. Ri da
minha desgraça: era verdadeiramente irônico. Rindo, também, como robô – ou como
louca, o leitor que interprete como quiser – abri os braços. A intenção era
sentir a brisa da manhã pela ultima vez. Com certa dramaticidade, gritei:
Mas levantei os
olhos e, no horizonte, o sol nascia. Nunca, em nenhuma de minhas viagens, eu
tinha visto tão lindo nascer de sol. O oceano estava furioso e o céu calmo e
remoto, ambos de tons de azuis diferentes, cada um com sua pureza. A verdade é
que, junto com a lua, tinham ido embora todos os meus medos. Eu ainda ouvia
nitidamente cada palavra rude, minha garganta ainda apertava ao ser assombrada
pela melodia melancólica da caixinha de música. Porém eu percebi que o amor que
eu tinha pela vida e por todas as coisas que a acompanhavam era muito maior do
que qualquer trauma que vinha para me enfeitiçar e enlouquecer.
Dei alguns passos
para trás e continuei rindo. Mas agora o meu riso não era mais dotado daquela
histeria dos insanos. Agora o meu riso era alegre, sincero e cheio de uma
coragem que eu nunca havia descoberto em mim.
Nossa, texto maravilhoso, amei ;D *--*
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